“Itabuna sofre com a falta de políticas culturais”
Após 30 anos de carreira, a atriz Eva Lima faz um balanço de sua trajetória, iniciada em 1983, em um espetáculo para 400 pessoas no Teatro da Ação Fraternal de Itabuna. Desde então, foram muitas experiências, tanto nos palcos como no cinema, onde Eva atuou em 18 filmes, nacionais e estrangeiros. Nesta entrevista ao ITABUNA NOTÍCIAS, a atriz busca na memória os seus principais trabalhos, menciona grandes nomes com os quais vem tendo contato ao longo da atividade profissional, como os cineastas Pola Ribeiro, Edgard Navarro e o saudoso ator e poeta Mário Gusmão. Sobre a cultura em Itabuna, ela não esconde certa decepção com a falta de apoio ao setor e a descontinuidade dos projetos.
Confira os principais trechos desse bate-papo:
ITABUNA NOTÍCIAS – Vamos começar falando um pouco de sua história: carreira, peças e filmes nos quais atuou como atriz e produtora.
Eva Lima – O início de minha trajetória, como quase tudo o que faço, tem uma forma inusitada. Estreei no Teatro da Ação Fraternal de Itabuna (AFI), em 1983, com o espetáculo “Ave de rapina” dirigido por Zé Henrique, quando me deparei com uma plateia de 400 pessoas. Eu me assustei um pouco, mas aquilo serviu como um teste e não parei mais. Estou completando 30 anos de carreira, num total de 50 espetáculos de teatro, uma novela da Rede Globo (Renascer), alguns VTs publicitários, entre eles o da Costha Fera, “ Vassoura de bruxa desempregada”, que foi indicado ao Prêmio Recall Bahia, e completei este ano 18 filmes, entre nacionais e estrangeiros.
IN – Nessa trajetória, você com certeza trabalhou com muita gente boa...
EL – Trabalhei com diversos profissionais de muita credibilidade no cenário estadual e nacional nos espetáculos que fiz, entre eles Harildo Deda, Fernando Guerreiro, Paulo Dourado, Hebe Alves, Équio Reis, Nehle Frank, Deolindo Checucci, José Delmo, Ramon Vane, Agnaldo Lopes, entre outros. Fui premiada como melhor atriz no Festival do Nordeste (Festeatro) e indicada como Melhor atriz no Festival Nacional de Ipitanga, concorrendo com atrizes do Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo.
IN – Você passou um tempo morando e atuando em Salvador. Como foi essa experiência?
EL – No período em que morei em Salvador, durante 17 anos, tive o grande prazer de trabalhar na ALP, companhia pioneira no teatro empresa da Bahia, sob a direção de Agnaldo Lopes, atuando em diversos segmentos, como bancos, hospitais, escolas, feiras livres, Ceasa, Polo Petroquímico, entre outros espaços inusitados, como, por exemplo, nos túneis de obras da Metrosal, no início das obras da construção do metrô ( risos), e lá vai tempo nisso... Mas a maior experiência foi mesmo o projeto piloto da Petrobras , que só eu fiz, enquanto oficineira de teatro, executando esse projeto durante três meses em uma plataforma da Petrobras, em meio a uma média de 100 funcionários, todos homens. Quando encerrei esse projeto , foi muito choro , de tão bacana como foi feito. Infelizmente, não foi possível dar continuidade em outras plataformas, devido ao custo muito alto.
IN – E sua atuação como produtora cultural?
EL – Trabalhei por muito tempo como técnica de teatro da Fundação Cultural do Estado, no Projeto Chapéu de Palha, idealizado pela atriz Jurema Penna, onde viajei por muitos municípios com uma média de 100 alunos por cidade. Na área de produção cultural, tive o prazer de trabalhar no Desfile dos 500 anos do Brasil, coordenado pelo mestre Amir Haddad, a carnavalesca Rosa Magalhães, o ator Ricardo Pavão, entre outros. Foi um desfile que envolveu 3 mil pessoas na avenida, uma experiência única. Participei de comissões julgadoras em algumas cidades, em diversos festivais de teatro, cinema,literatura, enfim , sinto-me cumpridora do dom com o qual Deus me agraciou, da forma mais honesta, séria e comprometedora que qualquer profissional deve ser.
IN – Você participou ativamente do processo de revitalização da Sala Zélia Lessa. Como está funcionando esse espaço hoje?
EL – Como é do conhecimento de todos, o Teatro Zelia Lessa foi construído em 1986 , no governo Ubaldo Dantas, que percebia a necessidade de termos um espaço destinado especificamente à classe artística. Desde o dia 19 de julho de 2011, por meio de um decreto municipal, o então prefeito José Nilton Azevedo passou a administração do espaço para a Associação Cultural Amigos do Teatro (Acate), que vem desenvolvendo atividades socioculturais, como oficinas de capoeira, dança, teatro, literatura, além de eventos culturais de notório conhecimento como a comemoração dos 100 anos de Jorge Amado, posse de acadêmicos da Academia Grapiúna de Letras (Agral), lançamento de livros, lançamento do Cineclube Grapiúna Mario Gusmão, apresentação do Coral Cantores de Orfeu, sob o comando da maestrina Zélia Lessa, seminário que discutiu a implementação do Conselho Municipal de Cultura, com a presença de representantes do governo do estado, criação do Fórum Municipal de Cultura, projeto Boca da Noite, com violeiros de diversas cidades,apresentação da dupla holandesa Duo Bemtevi, dentre outros. A Acate administra esse equipamento cultural, sem recursos do Município, Estado ou União. O espaço está aberto a grupos de diversos segmentos da sociedade, cabendo apenas agendamento antecipado.
IN – Mudou o governo. E a visão do poder público com relação à cultura, mudou ou continua a mesma?
EL – Entendo que é ainda precoce essa avaliação, o que se espera é que sejam mantidos os projetos que vêm sendo executados.
IN – Você teve oportunidade de trabalhar com nomes de peso da cena cultural, como Mário Gusmão, Pola Ribeiro e Edgard Navarro. O que essas experiências lhe acrescentaram de mais significativo?
EL – Em cada produção dessas se absorve várias formas de engrandecimento artístico. Por exemplo, o primeiro filme no qual trabalhei foi Palavra e Utopia, em 2000, com Lima Duarte como único ator brasileiro no elenco principal, uma produção Brasil-França-Portugal, com direção do cineasta Manoel de Oliveira, que, com seus 92 anos , surpreendia a cada dia com sua vitalidade e talento. Outro filme em que trabalhei – The snack king – uma produção dos EUA com cenário criado na Bahia, surpreendeu até mesmo a equipe americana, ao constatar o trabalho do cenógrafo baiano, simplesmente fantástico. Outra referência bacana também foi o filme Anjos do Sol, com direção de Rude Langhman, que aborda a prostituição infantil e tem um elenco nacional de talentos; outro filme, Solo Dio Sabe, do cineasta mexicano Carlos Bolado, que traz como protagonista a brasileira Alice Braga e o mexicano Diego Luna;Narradores de Javé, de Lily Caffe, também foi um aprendizado e tanto.
IN – Qual a experiência mais marcante?
EL – Dos 18 filmes que fiz, pontuo com muito orgulho os baianos Esses Moços, de José Araripe; Eu me lembro, de Edgar Navarro, Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro; alguns curtas de cineastas do sul da Bahia, como Henrique Filho, Edson Bastos, Jhonatas Sampaio, enfim, estamos tendo uma respostas muito positivas no audiovisual baiano, que nos orgulha muito.
IN – Mário Gusmão iniciou um movimento muito importante de fortalecimento da cultura em Itabuna. Por que essa iniciativa não teve continuidade?
EL – Veja bem, o período em que mais tivemos efervescência cultural em Itabuna foi no governo Ubaldo Dantas, que tinha uma equipe de peso, como Tica Simões, Norma Vídero,Yasmin Câmera, Ritinha Dantas, que inteligentemente convidou para compor a equipe um ícone do cinema nacional, o ator baiano Mário Gusmão, que nos trouxe um profissionalismo, até aquele instante um pouco longe de nossa realidade, mas o que ele realmente fez com muita propriedade foi a conscientização das pessoas com relação à sua negritude. Isso valia tanto para os artistas que com ele conviviam e as pessoas em geral, que passaram a ter orgulho de sua cor, e hoje temos exemplos maravilhosos disso em todos os cantos dessa terra grapiúna.
IN – Por que parou?
EL – O que aconteceu é que nós, talvez até mesmo pela passagem por aqui da atriz Jurema Penna, nesse mesmo período, por aqui, terminamos sendo atraídos para Salvador e por lá ficamos por muito tempo. Os que por aqui ficaram talvez não atentado para o quanto esse registro histórico merecia ter tido continuidade.
IN – Como você vê a atuação da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (Ficc)?
EL – Ainda que ultrapassados quatro meses de gestão, não vemos como cobrar resultados. Podemos cobrar sinalizações de projetos. Inclusive a execução daqueles que integram obrigações institucionais da Ficc. Estes dispensam ser pensados ou planejados, precisam apenas ser executados. Quando estivemos à frente da Assessoria de Marketing Cultural, conseguimos ampliar a participação de cidades e grupos de teatro, dança e música, agregando ao universo local grande número de participantes de várias regiões do estado da Bahia. Houve um aumento das participações artísticas no Femafro- Festival Multiarte Firmino Rocha, de 160 artistas em 2008, para 1.200 em 2011, tornando Itabuna uma referência cultural. Infelizmente, quando fui solicitada pelo então prefeito do município para, através da Acate, coordenar o projeto da criação do Galpão Cultural Casa de Jorge Amado (Ferradas) e a revitalização do Teatro Zelia Lessa, me afastando assim da função exercida na fundação, o Multiarte em 2012 não aconteceu. Em função disso, recebi durante muitos meses diversos e-mails e telefonemas de artistas de toda a Bahia, ávidos por saber o porquê.
IN – Qual era a resposta?
EL – Eu não tive o que responder. Só a dor e o desencanto de um trabalho abortado.
IN – O atual presidente da Ficc tem uma visão de associar a promoção cultural à questão social, inclusive como mecanismo para reduzir a marginalização e a violência. Você acha que é esse o caminho?
EL – Há, evidentemente, uma relação de consequência, pelo desdobramento, entre cultura e questões sociais. Mas não vemos como estabelecer interação institucional entre uma e outra – a não ser por consequência – em razão de as funções de governo relativas ao desenvolvimento social não estarem concentradas especificamente na área incumbida de desenvolver projetos culturais. Na administração municipal, existe a Secretaria de Desenvolvimento Social, a Fundação Marimbeta e a Ficc, cada uma com funções específicas e delimitadas. A atuação de uma e outra, cada uma sob sua vertente, pode encontrar um horizonte comum. No entanto, seria erro imaginar ou esperar que a área de cultura realize ações de “desenvolvimento social” especificamente, pois tal procedimento naturalmente será atribuído, pelos resultados, à secretaria própria.
IN – Mas você concorda que a promoção cultural pode ajudar a reduzir a violência?
EL – Qualquer promoção cultural contém, em si mesma, um caminho de solução para problemas sociais. Basta que os projetos desenvolvidos efetivamente existam e se realizem. A redução da marginalidade social e, por consequência, da violência, é um desdobramento natural dos órgãos e segmentos sociais envolvidos com a atuação cultural, dispensando ser chamada de função que, em nível de organização administrativa, está atribuída a outra secretaria. Ou seja, bastam programas culturais para que sejam alcançadas as soluções. Até porque, mais vinculadas estão tais ações, em termos de relações institucionais, com a educação, fato, por sinal, já aventado pela secretária Dinalva Melo em fala no início da gestão, quando afirmou que gostaria de desenvolver projetos em plena interação com a área cultural do governo.
IN – Como você vê a receptividade do itabunense no que diz respeito às ações culturais?
EL – Itabuna padece da falta de políticas públicas para a cultura que alimentem a base de tudo: formação de público consumidor de produtos culturais, leia-se aí espetáculos culturais. O que constitui, por sua vez, poderoso instrumento de incentivo a novas participações e forte fomentador de autoestima para nossa juventude. A atuação de parcela da sociedade e, em particular, de grupos que se afirmam comprometidos com a cultura local, tem se limitado a espasmos individualistas em conflito uns com os outros. O individualismo tem levado a que trabalhos produtivos não encontrem recepção por muitos integrantes da área cultural por uma razão simples, limitada e pobre: não é do meu grupo.
IN – E com relação a projetos como o Teatro Sala Zélia Lessa e o Galpão Cultural, como tem sido a receptividade?
EL – Avanços significativos na história recente da cultura itabunense, como o resgate do Teatro Sala Zélia Lessa, a construção do Galpão Cultural Casa de Jorge Amado, em Ferradas, a criação e operação de outros “galpões culturais”, a inserção de Jorge Amado como filho de Ferradas no imaginário do ferradense, a tentativa de implantar espaços voltados para a exibição de filmes têm encontrado dificuldades justamente no não reconhecimento por parte de inúmeros integrantes da área cultural local. O que não deixa de ser uma contradição: cobra-se para que ocorra alguma coisa e, quando ocorre, dela não participamos porque tal iniciativa não foi deste ou daquele grupo ao qual pertence o “crítico” filiado. Um fato que tem passado despercebido é a apresentação de grupos que tradicionalmente subiam em palcos de Itabuna e hoje buscam a Uesc para mostrar seus trabalhos, privando – não por iniciativa de tais grupos, mas por errônea condução administrativa de espaços locais – o público desta terra de assistir o trabalho de seus filhos.
IN – O que há de positivo acontecendo na cultura da região?
EL – Estive participando da brilhante iniciativa da atriz Gal Macuco, neste dia 20 de abril, em Buerarema, o II Sarau Encantos de Macuco, em um espaço genial de nome “Pesque-Pague”, onde fiquei encantada e com a alma lavada pelo que vi por lá. A comunidade em peso presente, dos diversos segmentos, entre eles o prefeito, o vice e seus secretários, o presidente da Câmara de Vereadores , artistas de diversas cidades, feirantes, enfim, simplesmente de dar prazer estar num evento tão grandioso e positivo como foi o sarau. Mentalizemos para que em Itabuna isso seja possível de acontecer, com a participação em massa de todos os que gostem e precisem estar em eventos culturais.
OLHOS:
“Ainda que ultrapassados quatro meses de gestão, não vemos como cobrar resultados. Podemos cobrar sinalizações de projetos”.
“O período em que mais tivemos efervescência cultural em Itabuna foi no governo Ubaldo Dantas”.
“A atuação de parcela da sociedade e, em particular, de grupos que se afirmam comprometidos com a cultura local, tem se limitado a espasmos individualistas em conflito uns com os outros”.
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